A lei de cotas raciais, que reserva metade das vagas em instituições federais de ensino superior para pessoas pretas, pardas e indígenas, foi sancionada em agosto de 2012 e está completando 10 anos. No Brasil, a maior parte da população negra está concentrada nas regiões Norte e Nordeste e a capital da Bahia, Salvador, é a cidade mais negra fora de África.
Neste contexto, conversamos com a professora e pesquisadora na área de ações afirmativas em relação à questão racial, Dyane Brito, para entender a importância da Lei de Cotas e qual o cenário atual para avanços e ampliações.
Leia: Aos dez anos, Lei de Cotas confirma sucesso e se aprimora contra fraudes
Neste contexto, conversamos com a professora e pesquisadora na área de ações afirmativas em relação à questão racial, Dyane Brito, para entender a importância da Lei de Cotas e qual o cenário atual para avanços e ampliações.
Brasil de Fato Pernambuco: Dyane, estamos em um momento em que a Lei de Cotas está completando 10 anos e nesse período é justamente previsto em seu texto que ela seja revista, o que dá a possibilidade dela ser anulada. Inclusive, muito se fala sobre essa lei estar em ameaça. Essa ameaça existe?
Dyane Brito: Estamos em um momento em que alguns projetos aparecem. Há, no cenário nacional, a proposta da ampliação da Lei de Cotas, que propõe o aumento dessa lei com revisão de 30 anos. Há argumentos que são importantes, de que essa lei continua atual e é extremamente necessária. Há projetos assinados por muitos deputados que também propõem a ampliação do prazo para essa revisão, então ela só aconteceria depois de 2060. Há projetos que sugerem medidas complementares, como o Conselho Nacional de Políticas Afirmativas no Ensino Superior. Há também projetos de lei que propõe que a lei seja permanente para o ingresso de pessoas pretas, pardas e indígenas, pessoas com deficiência, pessoas de escola pública.
Mas há também projetos que preveem a possibilidade de retirada do recorte racial, por exemplo, e há partidos que querem isso. O fato é que há um conjunto de questões e há também uma mobilização nacional tanto dos movimentos sociais quando de setores da sociedade mostrando a importância da lei e os avanços que conseguimos ao longo dessa década e ao mesmo tempo mostrar que não conseguimos em 10 anos recuperar tantos anos de exclusão de determinados grupos sociais nas universidades públicas.
Leia: Movimento negro e esquerda querem revisão da Lei de Cotas após eleição: "Congresso racista"
BdF PE: Temos garantido a assistência a esses estudantes? As cotas têm dado certo?
Dyane Brito: Durante algum tempo todas as nossas discussões em torno das políticas afirmativas elas ficaram em torno do o, sobretudo, das cotas raciais. Se era critério, se não era. O fato é que as cotas existem, são uma realidade e desde 2012 tem força de lei. Mas não basta o o ao ensino superior, são necessárias condições de permanência ao longo de quatro, cinco ou seis anos de curso.
Então, eu poderia voltar ainda mais atrás, antes da Lei de Cotas, e pensarmos em 2002 e 2004, com o projeto de lei quando as universidades brasileiras começam a inserir algum tipo de política afirmativa em seu ingresso. O fato é que a partir de 2016 a gente começa a ter uma retração importante desses recursos e recursos de outro programa também que não é específico para estudantes cotistas, mas que atende muito, que é o Programa Nacional de Assistência Estudantil.
Leia: "A lei 12.711/2012 trouxe uma transformação importante nas universidades", afirma Dyane Brito
BdF PE: Dyane, e os impactos da Lei de Cotas tem mais expressividade no Nordeste?
Dyane Brito: No Nordeste brasileiro, é onde temos uma população negra maior do que em outros espaços. A cidade de Salvador, na Bahia, há dados que dizem que somos a maior cidade negra fora do continente africano. Isso é importantíssimo quando pensamos nos dados de ingresso nas universidades brasileiras.
Um estudo recente que nós fizemos (UFRB, UFMG, UFSC, UFSCAR, UEG, UNIFAP e UFRN), em um trabalho chamado “Trajetórias de Cotistas”, ele dá conta de trajetórias exitosas também no Nordeste brasileiro. Estudantes que vieram de famílias que não tinham nem educação básica, filhos de mães e pais que não puderam frequentar a educação básica e para quem as universidades não estavam nos melhores sonhos.
BdF PE: Percebemos que a defesa da importância das cotas raciais está muito ligada às instituições federais, ao setor de educação e diversos movimentos populares. Você acredita que é um desafio dialogar com a população sobre a Lei de Cotas?
Dyane Brito: Aquele estudante e aquela estudante que ingressam na universidade fazem de forma muito coletiva. Quando entram, é de alguma forma sua mãe e seu pai que não puderam ir para a educação básica que entram de algum modo ali, é sua comunidade que também a a ar aquele espaço. Mas por outro lado, ainda há um desconhecimento.
Sim, é um desafio para as universidades brasileiras se aproximarem mais, levarem os seus cursos, levarem as suas presenças. Mostrar aos estudantes o que é um curso de cinema, o que é um curso de jornalismo e de publicidade e propaganda, o que faz um licenciado, o que é um curso de ciências sociais. Então, quais são as possibilidades que nós temos para entrar na universidade? Esse é um desafio posto para as universidades brasileiras e precisamos, sim. E é talvez uma forma de movimentação contra o que está aí colocado de descredenciamento, de descaracterização das universidades brasileiras.
Leia: Programa #26 trouxe entrevista sobre os 10 anos da lei de cotas