Ao som do berimbau, de pandeiros e atabaques, os dois capoeiristas se cumprimentam, ao som de cantorias e palmas. Da bênção à meia-lua de frente, com gingados mais lentos e movimentos furtivos e mais dançados assim começa mais uma roda de capoeira de Angola.
Há 32 anos o Grupo Semente do Jogo de Angola luta para disseminar a capoeira como uma prática de resistência, de fortalecimento e disseminação da cultura negra. Criado por Jorge Egídio dos Santos, o Mestre Jogo de Dentro, discípulo de Mestre Pastinha, o pai da Capoeira Angola no Brasil.
“Já tinha conhecido vários mestres, várias rodas, mas foi quando eu conheci o Mestre Pequeno é que descobri o que era a capoeira e o que eu queria. Quando ele entrava na roda, transmitia através do jogo dele, a paz, a confiança, o respeito e a humildade também. Ele era mais do que um capoeirista, ele queria preservar a sua história e preservar a vida”, diz Mestre Jogo de Dentro, em um documentário feito pelo grupo em 2004.
O grupo possui núcleos nos estados da Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal e também em países como Itália, Canadá, Nova Zelândia, Japão e Israel. O contramestre Alan Amaro dos Santos, mais conhecido como Alan Zas, é discípulo do Mestre Jogo de Dentro e responsável por um dos dois núcleos do Semente da capital paulista.
O Grupo Semente de Jogo de Angola tem núcleos em cidades do Brasil e do mundo / Divulgação Grupo Semente de Jogo de Angola
Aos 44 anos, ele relembra que começou a praticar a capoeira ainda criança, em um campinho de terra do Jardim Eliana, bairro do Grajaú, zona sul de São Paulo. Sem ter o aos saberes dos mestres, as primeiras movimentações vieram da repetição de movimentos dos mais velhos.
“A capoeira é uma ferramenta de libertação e o grande objetivo de se praticar é buscar essa libertação de várias formas, tanto no corpo, quanto na vida social, quanto na alma”.
Entre os anos de 1999 e 2000, visitou a Bahia já como professor de capoeira, mas para ele foi um início de outro caminho. Ele buscou praticar com o mestre Fabio Formigão e desde 2010 é um “calça preta”, que é dentro do Grupo Semente que representa uma pessoa que pode dar aula sem a supervisão do mestre e do contramestre.
“O Mestre Jogo fala isso e é uma fala que vem dos antigos mestre da capoeira angola: ‘O capoeirista não tem que ser só jogador de perna para cima, ele tem que conhecer as raízes que tem a capoeira angola. De fato, o Grupo Semente vai para além do físico, talvez essa seja a parte menos importante, o mais importante é a pessoa conhecer os fundamentos e as raízes da capoeira e a ancestralidade dela ”.
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Além de pesquisar, o grupo acredita na vivência com os mestres como forma de aprendizado e ter contato com esses saberes. No núcleo onde Alan está a frente há treinos quatro vezes por semana, as atividades começam com movimentos corporais, mas também há aulas de musicalidade, com aulas com os instrumentos e outra parte importante são as músicas, saber o que se canta e porque se canta.
“O que eu gostaria muito que pudéssemos ar para os jovens com a capoeira angola, em particular na periferia porque é onde justamente é onde estão as pessoas dessa descendência e dessa raiz negra, é que eles pudessem transformar a sua vida através dessa riqueza [cultural] e não só a partir do olhar do colonizador, do mercado, do capitalismo ou do olhar da cultura branca”.
Uma das bandeiras puxadas pelo Mestre Jogo de Dentro ao redor do mundo é mostrar a importância da capoeira angola na disseminação da cultura e ancestralidade negras, como lembra Alan .
“O corpo, a música e todos os outros saberes da capoeira de angola fazem parte de uma ancestralidade e identidade negra. E reconhecer essas ligações, faz com que a gente é povo preto faz com que a gente se sinta mais valorizado e mais enraizado naquilo que é nosso”.