Quase 700 dias já se aram desde que a barragem da mineradora Vale rompeu em Brumadinho, matando 272 pessoas e destruindo a Bacia do Paraopeba. Até hoje, os atingidos cobram a devida reparação pelos danos sofridos. Para garantir a reparação, precisam participar diretamente das decisões sobre suas próprias vidas. Porém, segundo eles, esse direito mais elementar, a participação, está sendo negado.
“A comunidade, que ainda vive o luto coletivo de 272 vítimas assassinadas, que a cada dia desperta com mais um caso de auto-extermínio ou infarto ou falta de atendimento médico, em função do crime, vai perdendo a crença no que é a prática da Justiça. É muito doloroso”, relata Fernanda Perdigão, moradora do distrito de Piedade do Paraopeba, em Brumadinho. Ela istrava um projeto de agricultura familiar, um restaurante e uma pousada e perdeu tudo.
Participação informada, sofrimento da vítima
Nos âmbitos do Direito Internacional e dos Direitos Humanos, já se reconhece que é direito da vítima participar como protagonista do processo de reparação e ocupar o centro desse processo.
Quem foi prejudicado por um crime como o que ocorreu no Rio Paraopeba também precisa ter o a todas as informações importantes, de maneira ágil e transparente. Tal reconhecimento está expresso em acordos internacionais e na própria legislação brasileira.
Em fevereiro de 2019, logo após o rompimento da barragem, os atingidos conquistaram, por meio de decisão judicial, o direito às assessorias técnicas, um corpo de profissionais independentes, com estrutura e capacitação, para garantir que pessoas e comunidades nas mais variadas situações tenham sua participação assegurada. Porém, isso não tem sido suficiente.
Há cerca de um mês, a sociedade ficou sabendo, por meio da mídia comercial, que a Vale, o Governo de Minas e instituições de Justiça estavam construindo um acordo, sem a presença dos atingidos e das assessorias. No dia 12 de novembro, o vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Newton Teixeira Carvalho, suspendeu o sigilo da proposta apresentada pela Vale, mas estabeleceu uma cláusula de confidencialidade.
Os nossos direitos estão sendo leiloados pelo governador Romeu Zema
“Atingidos não têm o aos documentos da negociação nem assessorias técnicas podem discutir esses documentos com eles e também não têm o aos espaços de negociação. Então, não conseguimos garantir o direito à participação informada e também não observamos o respeito ao princípio da centralidade do sofrimento da vítima”, critica a advogada Ísis Táboas, da Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), uma das entidades que prestam assessoria técnica na Bacia do Paraopeba.
Fernanda Perdigão critica a postura do governo e do Poder Judiciário, de impedirem que as vítimas discutam as decisões que afetam sua própria vida. “Os nossos direitos estão sendo leiloados. O nosso governador Romeu Zema, que deveria promover a lisura do processo decisório e adotar mecanismos de consulta, não está fazendo isso”, acrescenta.
Consulta sem direito de decidir
Um mês após o rompimento da barragem, o governador Romeu Zema (Novo) assinou um decreto criando o Comitê Gestor Pró-Brumadinho, composto por diferentes órgãos do poder público. O objetivo seria coordenar, de maneira articulada, as ações estaduais de recuperação, mitigação e compensação dos danos causados à população dos municípios atingidos. Foram criadas também comissões, com representantes das diferentes comunidades.
Um ano e meio depois, Fernanda Perdigão avalia que decisões importantes são tomadas no Comitê, mas não nos espaços onde os atingidos participam de fato.
“A comissão não tem uma função deliberativa, é uma função consultiva, porque já foi tudo costurado pelo Comitê. Então, é ridículo pensar que o Estado queira a participação dos atingidos. O discurso é lindo, mas a prática é outra. Isso é ludibriar e limitar, pois vão dar um voto baseado em que, se já está tudo decidido?”, questiona.
Outro lado
O governo de Minas afirma que tem recebido associação de familiares de vítimas e atingidos. O governo também afirma que o acordo está sendo discutido abertamente e cita como exemplos três audiências públicas sobre o tema, sendo duas na Assembleia Legislativa uma de forma on-line. Segundo o governo de Minas, a proposta feita pela mineradora Vale é "insuficiente em razão do volume dos danos socioeconômicos causados pelo rompimento da barragem".
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