*Luiz Ferreira
As casas de apostas invadiram o Brasil. Isso é fato. É praticamente impossível ligar a TV ou ar a internet hoje em dia e não se deparar com um anúncio de uma BET prometendo dinheiro fácil e “entretenimento responsável” para quem deseja ganhar um troco a mais.
E como vocês já devem imaginar, o nosso Brasilzão é um prato cheio para essas empresas. Primeiro, por conta da cultura da “fezinha”. Seja nas loterias esportivas, no popular jogo do bicho ou até mesmo nas tradicionais corridas de cavalo. O problema é que as facilidades tecnológicas que temos hoje deixam tudo mais rápido, mais prático e muito mais difícil de controlar.
Aliás, a tendência é que essa enxurrada de casa de apostas mude até mesmo a maneira com a qual torcemos para nosso time do coração. As denúncias de esquemas de manipulação já são bastante corriqueiras no noticiário esportivo (vide o caso de Lucas Paquetá no West Ham, da Inglaterra).
Qualquer pixotada de um zagueiro mais estabanado, um cartão amarelo aplicado num atleta mais violento ou até mesmo uma penalidade perdida a a ser observada com uma suspeita nunca antes vista na história do velho e rude esporte bretão. E isso é muito grave.
É como se o futebol fosse perdendo o resto da inocência que tem diante dos nossos olhos e ninguém fizesse absolutamente nada porque todos estamos presos nas odd’s das casas de aposta. Ao invés de “apenas” torcer pela vitória do nosso time do coração, vamos começar a torcer para que determinado jogador tome um cartão amarelo num certo período do jogo ou para que o treinador mande o jogador X no segundo tempo. Na prática, as vitórias e títulos do nosso time estão sendo lentamente trocados por realizações menores, como um lateral, um escanteio ou uma simples substituição.
E isso tudo acontece por um motivo simples. Todo mundo precisa de dinheiro em algum nível. E a promessa de ganhos rápidos das BET’s seduz muita gente.
Vejam bem… Não se trata apenas de “fazer uma fezinha” e apostar uns vinte reais num gol ou numa assistência pra ganhar umas cinco vezes mais. A situação é muito mais delicada. As pessoas apostam pensando em ganhar milhões e às vezes até deixa de pagar as contas. O trabalhador brasileiro (que trabalha de sol a sol e vende o almoço pra comprar a janta) vê um monte de influencer e de personalidade fazendo propaganda de casa de aposta em iates, comendo nos melhores restaurantes e viajando pra tudo que é lugar e automaticamente pensa que vale mais a pena se jogar nas BET’s e ganhar dinheiro do que estudar e trabalhar.
Na última segunda-feira (16), o jornal O Globo divulgou uma pesquisa que dizia que as pessoas estão abrindo mão de fazer uma faculdade para investir o dinheiro com BET’s e o famoso “jogo do tigrinho”. Cerca de 35% dos interessados em iniciar uma graduação não começaram o curso porque estão presos nas casas de aposta.
Irmão, as pessoas estão deixando de estudar pra gastar dinheiro em BET’s e cassinos virtuais. Você tem noção da gravidade disso?
Se a gente esmiuçar os números, vamos ver que a situação é muito mais grave. Nas famílias que têm renda de até R$ 2,4 mil por pessoa, o indicador sobe para 39% e vai para incríveis e preocupantes 41% entre as famílias que ganham até mil reais por pessoa.
A falta de oportunidades e as dificuldades que todos nós já conhecemos para ter uma vida digna e com o mínimo de conforto escancararam as portas de uma série de famílias para o sonho do dinheiro fácil das BET’s e dos cassinos virtuais. E o que tem de gente se endividando não tá escrito, meu caro…
A lógica de qualquer cassino do mundo, de qualquer casa de aposta desse planeta é uma só: a banca sempre ganha. De um jeito ou de outro. Você pode ganhar hoje, mas a banca, a dona do negócio não vai entrar nessa pra perder. Não sejamos ingênuos.
E sim, existem pessoas que fazem apostas de maneira racional e cuidadosa. Gente que ganha dinheiro sem ar a perna em ninguém dando dicas para outras pessoas. E tá tudo bem. Meu ponto é que isso já começou a influenciar diretamente a nossa relação com o futebol. E quem acompanha o espaço aqui no Brasil de Fato já leu que o futebol é o reflexo perfeito da nossa sociedade. Se já estamos nos preocupando mais com a saúde mental de um lado, do outro estamos vacilando feio ao normalizarmos a ação explosão dessas casas de apostas e de cassinos virtuais.
E como desgraça pouca é bobagem, a situação pode piorar num nível impensável.
No último mês de agosto, a MGM Resorts International (uma das maiores empresas do ramo de apostas do mundo) anunciou uma parceria com o Grupo Globo para lançar o selo BetMGM no Campeonato Brasileiro de 2025 com clubes os clubes da LIBRA, da Liga Forte Futebol e do Grupo União. Com isso, o Brasileirão será transmitido em sinal aberto, nos canais por e PPV (SPORTV e Premiere) e também no Globoplay até 2029.
Imaginem a quantidade de propaganda de BET’s, casas de apostas e de cassinos virtuais que vão tacar na nossa cabeça durante esses próximos quatro anos, meus amigos. E não existe lobby político no mundo que vai dar conta de segurar essa galera.
E não se enganem. O discurso de todas elas será o da “aposta segura” e do “respeito ao cliente”. No entanto, lá no fundo, elas sempre serão as vencedoras. E se precisarem até mudar as regras do futebol para ganhar mais dinheiro, assim elas o farão.
Ou será mesmo que vocês acham que a I da Manipulação dos Resultados tinha como objetivo “fortalecer o futebol brasileiro”? O único objetivo era recuperar o dinheiro perdido das BET’s. De um jeito ou de outro, a banca sempre ganha. E sendo muito honesto, eu não sei se o velho e rude esporte bretão vai sobreviver a isso.
*Luiz Ferreira escreve para a coluna Papo Esportivo do Brasil de Fato RJ sobre os bastidores do mundo dos atletas, das competições e dos principais clubes de futebol. Luiz é produtor executivo da equipe de esportes da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, jornalista e radialista e grande amante de esportes.
**Este é um artigo de opinião. A visão dos autores não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato RJ.