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Leonardo Melgarejo

Não espere saber como vai ser

Engenheiro Agronômo, MsC em Economia Rural, Dr. em Engenharia de Produção. Extensionista rural aposentado, fotógrafo. Colaborador da Campanha Perma...
As implicações saberemos no futuro. Por hora, e neste texto curto, o que mais importa são as dúvidas

O que desnorteia mais do que a sensação de vazio e a perplexidade que nos assalta diante de perdas irremediáveis?

Me refiro àquela condição de fragilidade em que afundamos quando se torna inegável o desaparecimento de referenciais que nos orientam e nos conformam, que definem o que pretendemos ser e os rumos que pensamos estar seguindo.

Quero descrever desta forma o que entendo como sendo o possível impacto da morte do Papa Francisco, para centenas de milhões de pessoas. E quero – a partir disso – trazer poucos comentários sobre o que podemos esperar do posicionamento da Igreja Católica, e dos comportamentos de todos que eventualmente alcancem compreender o privilégio e a responsabilidade de haver estado aqui, na Casa Comum, durante os momentos em que Francisco caminhou entre nós.

As implicações saberemos no futuro. Por hora, e neste texto curto, o que mais importa são as dúvidas.

Em relação à igreja, elas estão sendo descontruídas a partir de um pragmatismo político tão indecente que até Javier Milei, depois de ter chamado o papa Francisco de “representação do diabo na Terra” , se atreveu a homenageá-lo com gestos contidos e olhos úmidos de tristeza.

A mística religiosa está sendo atropelada e tudo indica que neste conclave, como naquele do filme, a disputa pelo poder do Vaticano será dura e sem qualquer limitação de ordem espiritual, ética ou moral. É compreensível. Estão em jogo interesses com implicações sobre a geopolítica global e disso resultará a manutenção dos esforços de Francisco, em favor do ecossistema planetário e de todos os desvalidos que nele habitam, ou haverá inflexão em favor dos interesses da estrutura de uma igreja patrimonialista, reacionária e comprometida com os desvarios do sistema capitalista. Frei Betto, no Le Monde Diplomatique Brasil, aposta na continuidade das orientações de Francisco, enquanto Jesus Bastante, no IHU, teme a contaminação da igreja pelo avanço global de ultra direita.

 Aqui, resta ar e tentar entender aqueles e outros argumentos interpretativos. E aguardar com paciência os resultados daquela disputa.

De outra parte, em relação aos impactos do pontificado de Francisco sobre nossas dúvidas, comportamentos e atitudes, há muito a dizer. Afinal, sua vida, suas encíclicas, suas cartas, suas falas e seu testamento são documentos inspiradores e revolucionários. Devem ser lidos, revistos e estudados por gerações.

Vou limitar este comentário a uma única frase do testamento de Francisco, que a meu juízo é definitiva e exemplar. Naquela carta, ao se aproximar do fim da vida, o homem, o jesuíta Jorge Mario Bergoglio, pontificou na dúvida sua última assertiva de humana e fervorosa esperança.

Ali, afirmando sua “viva esperança na Vida Eterna”, o papa Francisco anunciou que a sua (como a de todos nós) agem temporal pela condição humana, sempre tão assaltada por tantas dúvidas, reclama apenas a coragem de atitudes conscientes em defesa de valores maiores do que os condicionados pelos limites de nossa própria existência.

Desta maneira, assim como Pedro Casaldáliga e Francisco de Assis, Bergoglio também nos alertou, amorosamente, que apenas ficando ao lado dos pobres, dos desvalidos, dos sem vez e sem voz, conseguiremos evitar a solidão e o desamparo do vazio interior. Mais do que isso: agindo assim, não perderemos o rumo. Nos somaremos às melhores referências e nosso destino se revelará.

E é na esperança de que este espírito se enraíze e se multiplique, contaminando desde nossos vizinhos até os cardeais do Vaticano, que recomendo atenção à importância de valorizarmos as coisas simples e os ótimos conselhos de Nico Nicolaiewsky, cantados por Fernanda Takai nesta música de alma franciscana.

Não esqueça.

*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.

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