Nesta segunda-feira (22), vence o prazo para que lideranças comunitárias de Maceió apresentem sua defesa perante a Justiça, no âmbito de um processo movido pela Braskem contra organizadores de um protesto que denunciou a empresa em dezembro de 2021.
A mineradora petroquímica é responsável pelo afundamento do solo de 20% da capital de Alagoas e a expulsão de 60 mil pessoas de suas casas. “O criminoso processa a vítima do crime”, resume Maurício Sarmento, liderança da comunidade dos Flexais, ao descrever a surpresa com que recebeu a intimação judicial.
A ação ocorre no âmbito de um Interdito Proibitório de esbulho, turbação e ameaça que a empresa moveu por conta de uma manifestação feita por cerca de 300 pessoas na porta de sua planta industrial. O processo também visa impedir, sob pena de multa, que as lideranças se envolvam em novos atos que contestem a Braskem.
Ativistas negam proposta de acordo ‘imoral’
“Eles propam um acordo que chega a ser imoral”, relata o pastor Wellington Santos da Igreja Batista do Pinheiro, também intimado. “O acordo é que nós nos comprometeríamos a evitar manifestação em qualquer planta da Braskem e num raio de 10km. Isso implica a cidade de Maceió toda, praticamente”, avalia.
Caso descumprissem, seriam multados em R$10 mil e responsabilizados criminalmente pelo delito de desobediência. “Se todos assinassem esse acordo, aí eles generosa e piedosamente retirariam o processo”, ironiza o pastor Wellington.
“Não vamos aceitar nenhum acordo. Vamos fazer nossa defesa e ir, juridicamente, às vias de fato”, salienta.
Para Maurício Sarmento, trata-se de “uma clara demonstração de assédio judicial. Uma tentativa de calar nossas vozes e uma violência criminosa contra as vítimas”.
A comunidade dos Flexais, onde Maurício vive, por não ter sido considerada área de risco pela Defesa Civil, foi classificada pela I da Braskem como região com “risco de ilhamento socioeconômico”.
Com a desertificação dos bairros ao redor e o desativamento de equipamentos públicos que atendiam a população, o Ministério Público Federal (MPF) calcula que 74% dos moradores dos Flexais desejam ser realocados. Ao invés disso, vivem sob a poeira de obras da Braskem em ações de “revitalização” para que a população permaneça onde não quer mais estar.
Além de Sarmento, o processo da Braskem mirou lideranças comunitárias da rua Marquês de Abrantes, dos bairros Bebedouro e Bom Parto. Neste último, o Brasil de Fato visitou famílias que seguem vivendo em casas com rachaduras e receio de desmoronamento, ao lado da Lagoa Mundaú e de 35 minas desativadas da empresa.
A mineradora chegou a acionar a Justiça para impedir que os moradores do Bom Parto fossem incluídos no Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação (PCF).
Entre outros processados pela Braskem estão lideranças religiosas como pai Célio Rodrigues e cônego Walfran Fonseca, o presidente da Associação dos Empreendedores Vítimas da Mineração em Maceió, Alexandre Sampaio, e o deputado estadual Ronaldo Medeiros (PT).
A manifestação
“Por 40 anos, a empresa fez e aconteceu. E depois que foi descoberta, num grande acordo com as forças que deveriam defender a população, saiu beneficiada e se apossou de todo o território”, atesta o pastor Wellington Santos, se referindo a um termo firmado com o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União, no qual a Braskem se torna proprietária da área de todos os imóveis que indenizar.
“Então a população precisa gritar. Precisamos manifestar a nossa dor”, ressalta o pastor. Daí a ideia do ato que, em 2021, caminhou até a porta da fábrica da mineradora. E ali ficou por 10 horas.
O protesto interditou a rua e interrompeu a entrada e saída de caminhões da fábrica. “A única linguagem que entendem é a do bolso”, afirma Santos. “Por isso fizemos essa manifestação pacífica para chamar a atenção da sociedade e da própria empresa para o grito desesperado de moradores e moradoras triturados e expulsos”, alega.
“Não adentramos a planta, porque somos pessoas adultas e conscientes. Sabíamos que era uma planta industrial e naturalmente não faríamos este tipo de arroubo”, descreve o pastor Wellington.
“Tudo é muito rápido quando é pró-Braskem. Eles entraram com o interdito proibitório. Mas a cidade estava tão travada que o oficial de justiça só chegou lá por volta das 16h. O comandante me chamou, disse que o juiz tinha dado interdito. Eu disse ‘a gente planejou terminar as 17h. Vamos fazer as falas finais e marchamos em saída’. Foi o que aconteceu”, relata o pastor.
Ao fim do ato, uma pessoa soltou um fogo de artifício que atingiu uma vegetação seca causando um pequeno incêndio, rapidamente controlado pelos bombeiros. Foi este incidente que fez com que o pastor Wellington fosse, dois meses depois, obrigado a depor na delegacia por suposto crime ambiental.
“Vocês imaginam o que é ser acusado de crime ambiental por uma empresa criminosa como essa? Que assumiu agora na I, depois de negar por anos, que foi culpada do que aconteceu?”, questiona o pastor Wellington.
No último 19 de junho uma integrante do Movimento Unificado das Vítimas da Braskem (MUVB), Mailda de Farias Santos, de 43 anos, tirou a própria vida. O suicídio foi um dos temas pautados no protesto de 2021, simbolizado por uma urna funerária colocada na porta da empresa.
“Já são 11 pessoas que tiraram a própria vida, o que eu particularmente não chamo de suicídio. Eu chamo de assassinato indireto”, diz Santos: “E aí é simples assim, a arrogância do poder financeiro: ‘eu destruo, eu toco o terror e se alguém reclama, eu processo’”.
Para Braskem, processo visa ‘resguardar segurança’
Procurada, a empresa, que é a maior produtora de resinas termoplásticas da América, informou que a ação de interdito proibitório tem “o objetivo de resguardar a segurança” dos seus funcionários, de terceiros e também “das pessoas que realizavam a manifestação”.
“A Braskem reitera o respeito ao direito de manifestação pacífica, dentro dos limites legais e que não represente riscos à segurança das pessoas, inclusive, dos manifestantes”, afirmou em nota ao Brasil de Fato.
A empresa disse, ainda, que desde 2019 “mais de R$ 10 bilhões já foram desembolsados” e outros “R$ 15,5 bilhões provisionados” em medidas para “mitigar, compensar e reparar impactos da subsidência do solo nos bairros de Bebedouro, Bom Parto, Pinheiro, Mutange e Farol, principalmente com a realocação preventiva dos moradores da área de risco”.