Com 46 milhões de brasileiros sem o à internet, manter as aulas de forma remota durante a pandemia tem sido um desafio a mais para o ensino no Brasil, tanto para professores, quanto para alunos. Por todo o país as escolas foram pegas de surpresa e tiveram que se adaptar à nova realidade.
“Nem nós, professores, estávamos preparados para isso. A gente estava praticamente ainda na fase das aulas serem 80% lousa e giz e, de repente, estamos na plataforma tentando entender como usar ferramentas. E pros alunos também é muito complicado, ainda mais para os alunos pequenos do fundamental I, pro pessoal de educação infantil mais ainda”, aponta Paula Baptista Capriglione, professora das redes públicas municipal e estadual de São Paulo.
Se na região Sudeste, onde 3 a cada 4 casas tem o à internet, a adaptação para as salas de aula virtuais tem sido um processo complexo, em outras regiões do país os desafios são ainda maiores.
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Em Roraima, na região Norte, os alunos da rede estadual contam com o ensino virtual e aulas por rádio. Para acompanhar as aulas, alguns precisam fazer verdadeiros malabarismos.
“Tenho estudantes na minha turma que, para não deixar de acompanhar as aulas, sobem em caixa d'água e árvores para conseguir sinal melhor. Já outros que entregaram as atividades nos horários mais improváveis, já que dependem dos celulares dos parentes que trabalham durante o dia”, conta Jivaneide Barbosa, professora da disciplina de Geografia da Escola Estadual Hélio da Costa Campos.
Essa é a segunda de uma série de quatro reportagens do Brasil de Fato sobre os desafios da Educação a Distância (EaD).
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A pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro Regional e Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), em 2019, revelou que na região Norte a proporção de banda larga fixa, por cabo ou por fibra ótica, é muito baixa se comparado ao restante do país. “Estamos falando de uma topografia diferente, de um tipo de vegetação diferente, que torna mais difícil o o da banda larga fixa. Enquanto a média nacional é de 61%, na região norte só tem 38% dos domicílios têm banda larga fixa”, explica Fabio Storini, analista de dados do Cetic.
Sirdennys da Silva Santana também é professora em Roraima, mas da Rede Municipal de ensino da capital, Boa Vista. Ela leciona na Escola Municipal Professor Carlos Raimundo Rodrigues e explica que o município não validou o ensino remoto.
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As atividades são readas através de um projeto nas redes sociais, Aprendendo em Casa. O objetivo é reforçar o conteúdo estudado nas séries anteriores, mas não conta oficialmente como aula. Há um acompanhamento dos professores, mas só a título de reforço escolar.
Miriam Mançano, professora da rede municipal de São Paulo, ressalta que o ensino remoto que tem sido oferecido de forma emergencial durante a pandemia não pode ser considerado Educação a Distância (EaD). "Educar é diferente de rear atividades", aponta.
“Quando você vai dar um curso ou participar de uma formação EaD, essas pessoas foram formadas para isso. Então você conhece a plataforma, se apropria dela, percebe tudo que pode acontecer lá e conosco não foi assim. De um dia para o outro os governos decidiram que nós trabalharíamos de uma plataforma que ninguém conhecia e que nós que tivemos que ir atrás para conhecer”, explica.
De acordo com a Lei 9.934 a educação a distância é considerada complementar ou emergencial para o ensino fundamental e pode se dar por convênio para o cumprimento de exigências no ensino médio
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Mançano exerce a profissão há 24 anos e hoje atua também como coordenadora pedagógica. Ela aponta que, mesmo com o à internet, a utilização da plataforma de estudos de maneira virtual é um desafio para muitas famílias.
“Eu vou pensar nas crianças que estão no período que eu trabalho, são crianças de 6 a 10 anos, a maioria delas dependem das famílias para que tenham esse o e quem tem esse o? As pessoas sabem se comunicar pelo WhatsApp, elas tem o ao Facebook em muitos dos pacotes, mas quem conhece como funciona uma plataforma?", questiona.
Santana conta que um sentimento recorrente é o de impotência. No início ela chegou a comprar com dinheiro do próprio bolso equipamentos para produzir vídeos, mas a falta de treinamento para gravação, edição e roteirização das produções a fizeram desistir. Era muito trabalho para pouco consumo, já que nem todos os alunos conseguiam ar o material.
Falta de conexão para estudar
A pesquisa TIC Domicílios também revela que em todo o país apenas 41% das pessoas utilizaram, no último ano, a internet para realizar atividades ou pesquisas escolares. E apenas três de cada dez pessoas utilizaram a internet para assuntos relacionados a educação, entre a população dos indicadores D e E.
Para 57% das pessoas com renda de até um salário mínimo, a principal causa para o não-o à internet de maneira geral são os altos preços do serviço no Brasil. Considerando a mesma faixa salarial, 46% dizem não ter aparelhos como celular ou computador.
“Eu tive que comprar um celular e cartão de memória para um afilhado, pois a família, muito carente, só tinha 1 celular na casa e 5 filhos estudando com atividades remotas”, explica Santana sobre sua experiência em Boa Vista.
Nesse ponto, as dificuldades se assemelham com aquelas encontradas no Sudeste. “O aparelho celular, às vezes o único da família, é o da mãe e a mãe está indo trabalhar, então chega tarde e a criança já está dormindo”, relata Capriglione, sobre sua experiência em São Paulo.
Mudança de horário
Por conta da variação de horários em que os alunos conseguem se conectar à internet, Barbosa e Santana também relatam que é comum algumas mães ligarem depois das 22h para tirar dúvidas sobre as atividades escolares.
Em São Paulo, Capriglione ou a trabalhar em horários alternativos para aumentar a participação dos alunos em suas aulas virtuais. “Eu comecei dando aulas às 15h, depois da aula deles na TV [através da TV Univesp, na TV Cultura], eu percebi que mais tarde dava mais certo, então agora dou aula para eles das 18h30 às 20h”, explica.
Com a mudança do horário, ela conseguiu que a participação dos alunos aumentasse. De 12 estudantes pulou para 20 ou 22. Considerando uma sala de 31 estudantes, 2 a cada 3 alunos estão conseguindo assistir as aulas no novo horário. Mas um terço ainda não consegue acompanhar a rotina de estudo há 4 meses.
“É uma escola que tem tem bastante vínculo com os estudantes, mas tem esses alunos que estão sem interagir com a gente, com a escola e em alguns casos a gente teme que esse vínculo acabe se quebrando”, lamenta.