O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) ampliou a relação dos municípios participantes do programa União com Municípios pela Redução do Desmatamento e Incêndios Florestais na Amazônia, que oferece benefícios para as prefeituras comprometidas com a contenção da devastação.
Entre os que ficaram de fora, a maioria está no Mato Grosso, estado que concentra o maior número de municípios líderes na derrubada da floresta.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, o Ministério do Meio Ambiente destaca que os municípios do Mato Grosso apresentam altos índices de degradação florestal, sobretudo por incêndios. “As causas são, por exemplo, abertura de áreas para novas explorações madeireiras ou agropecuárias, além de limpeza de pasto”, informa o ministério.
O Mato Grosso é, entre os estados brasileiros, o maior produtor de soja. E, embora as plantações já dominem uma área de mais de 10 milhões de hectares, aproximadamente do tamanho da Guatemala, e as áreas de pasto ocupem mais de 20 milhões de hectares no estado, os produtores de grãos buscam mais espaço – e contam com apoio político para isso.
Um exemplo é a investida contra a moratória da soja, pacto firmado em 2006 entre empresas que se comprometem a não comprar o produto de fazendas com lavouras em áreas abertas após 22 de julho de 2008 na Amazônia.
Em outubro de 2024, o governador do estado, Mauro Mendes (UB), sancionou a lei 12.709, que restringe a concessão de benefícios fiscais para empresas que aderirem ao acordo. A foi celebrada pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT), que, em articulação com o poder público, teve papel decisivo na proposta.
“Agora temos certeza de que além da justiça aos produtores, isso também movimentará ainda mais e ajudará no crescimento da economia do Estado do Mato Grosso”, celebrou Lucas Beber, presidente da Aprosoja MT, em vídeo publicado em seu perfil no Instagram. No vídeo, que também foi publicado no perfil da associação, Beber agradece a prefeitos, vereadores e até Tribunal de Contas do estado por participarem da articulação pela aprovação da lei antiambiental.
Sobre o União com Municípios
Criado em 2023, o programa União com Municípios funciona por adesão. As prefeituras interessadas em participar firmam um acordo com o MMA e recebem um aporte inicial de R$ 700 mil para a aquisição de equipamentos e serviços estruturantes de escritórios de governança para monitoramento do desmatamento e incêndios.
Os demais recursos são reados conforme há registro de queda na devastação. Quanto maior a redução anual do desmatamento e da degradação, maior o investimento. Em 2024, primeiro ano do programa, 48 prefeituras participaram. Para o novo ciclo, mais 22 localidades assumiram o compromisso com a preservação florestal.
“A adesão de mais 22 municípios é um marco importante e demonstra como a parceria com os municípios é fundamental para fortalecer ações de prevenção, monitoramento, controle e redução da degradação na Amazônia”, ressaltou o secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do MMA, André Lima, em nota publicada no site do ministério.
O Programa União com Municípios faz parte do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), do Ministério do Meio Ambiente, criado em 2004 como um conjunto de ações para a redução do desmatamento.
Suspenso durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o PPCDAm foi retomado no governo Lula (PT).
Líderes no desmatamento
Podem ingressar no programa municípios inseridos na lista dos prioritários em ações de prevenção, monitoramento e controle do desmatamento, ou seja, aqueles que mais destroem o bioma. Em 2024, a relação dos líderes na devastação contava com 70 localidades.
Com a atualização no final de 2024, a partir dos dados recentes de desmatamento, são 81 municípios que merecem atenção, por concentrarem 78% te toda a devastação no bioma no ano ado.
Desses, apenas 11 ficaram fora do programa que oferece benefícios, sendo oito no Mato Grosso, dois no Pará e, no Amazonas, a capital Manaus, inserida recentemente na lista do desmatamento.
Os onze municípios que ficaram de fora do programa são: Manaus, no Amazonas; Novo Repartimento e Santa Maria das Barreiras, no Pará; Colniza, Paranaíta, Paranatinga, Nova Maringá, União do Sul, Confresa, Guarantã do Norte e Ribeirão Cascalheira, no Mato Grosso.
Em resposta ao Brasil de Fato, a secretaria de Meio Ambiente de Confresa disse que “à época da abertura para adesão ao Programa União com Municípios, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Confresa ainda não se encontrava devidamente estruturada e descentralizada para atender às exigências técnicas e operacionais necessárias à participação no programa”. A nota reforça que “a atual gestão tem trabalhado para fortalecer a SEMMA, com investimentos em estrutura, capacitação e ampliação da equipe técnica”.
A reportagem buscou ainda o posicionamento das demais prefeituras citadas, mas não teve retorno até a publicação do texto. O espaço segue aberto.
Prefeitos fazendeiros
Seis das oito prefeituras do Mato Grosso não aderiram ao programa União com Municípios são comandadas por proprietários de terra, de acordo com informações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Pelo menos dois deles são donos de milhares de cabeças de gado.
Com um patrimônio que ultraa os R$ 94 milhões, Marcos Tomazini (UB), prefeito da Paranatinga, é dono de 1.938 cabeças de gado e cinco fazendas. O pleito de 2024 foi o primeiro da estreante carreira política de Tomazini. Para a disputa, ele contou com o valor de R$ 100 mil reados pelo pecuarista Jairo Dias Pereira Junior, o maior doador da campanha.
Em Colniza, o prefeito reeleito, Miltinho (UB), declarou um rebanho de 1.704 animais. Em 2022, o município registrou a maior área desmatada na Amazônia, de acordo com levantamento da plataforma MapBiomas.
Não é fazendeiro, mas é vinculado a ruralistas
Entre as exceções na lista de prefeituras lideradas por fazendeiros, estão Osmar Mandacaru (UB), prefeito de Paranaíta, que não declarou terras ao TSE; e Alberto Márcio Gonçalves, conhecido como Subtenente Márcio Gonçalves. Estreante na política, ele foi eleito vereador pelo extinto Partido Social Liberal (PSL) em 2020 e depois chegou à prefeitura em 2024.
Além do cargo no Executivo, Gonçalves acumula outro posto de liderança. Ele é presidente estadual do Harpia Brasil, instituto ligado ao Movimento Invasão Zero, cujas ações são vistas por especialistas como as de uma milícia rural em defesa da propriedade privada.
Apresentado por seus líderes como uma organização conservadora, o Instituto Harpia Brasil tem entre os objetivos, “a defesa e a promoção dos ideais liberais econômicos e da proteção à propriedade privada”, de acordo com informações do site oficial.
No Mato Grosso, Harpia e Invasão Zero dividem o mesmo propósito: ampliar as áreas de domínio do agronegócio.
Em vídeo publicado no Youtube, no canal Notícias Interativas, publicado em junho de 2024, a então presidente do Harpia Brasil no Mato Grosso, Daiane Kelm, critica a moratória da soja, pacto que busca reduzir o desmatamento da Amazônia.
“Aqui dentro do Mato Grosso, a gente vem sofrendo a moratória da soja, que é impedimento de vendas de grão no F do agricultor que muitas vezes tem uma área pequena de embargo, mas as trades, elas estão generalizando para a área total e não estão querendo comprar a soja desse agricultor”, diz Kelm, após comentar o interesse do instituto em montar uma comissão do agronegócio para fazer pressão política no Congresso e Senado.

Assim como o Harpia, o Invasão Zero funciona como organização em defesa dos interesses econômicos e políticos dos setores ruralistas. Mas não é só no propósito que as duas organizações se encontram.
Em uma publicação recente no Instagram, o Instituto Harpia informa sobre o 1º Fórum Nacional do Movimento Invasão Zero, com participação de Renilda Souza, líder do Invasão Zero e presidente do Harpia Brasil na Bahia.
Proprietária de terras no estado, Souza prega nas redes sociais a “união de todos para combater o MST”, fala que ilustra a proposta central do Harpia, de defesa da propriedade privada.
Na prática, muitas ações do Invasão Zero resultaram em ameaças e violências contra indígenas e movimentos populares do campo. Uma das investidas mais violentas levou à morte da indígena Maria de Fátima Muniz Andrade — a Nega Pataxó — e na hospitalização de seu irmão, o cacique Nailton, baleado no abdômen. O crime aconteceu em janeiro de 2024, na Bahia, estado de origem do movimento.
* Reportagem atualizada às 11h40 do dia 29 de maio de 2025 para inserção do posicionamento da prefeitura de Confresa.