Começam, na próxima semana, a serem discutidos na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) os projetos do governador Romeu Zema (Novo) para abarcar o estado no Programa de Pleno Pagamento das Dívidas dos Estados (Propag). Um deles, que inclui a proposta de federalização da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), deve pautar as discussões da Casa, na medida em que o processo avançar.
Apesar de o Propag ser considerado, por especialistas, uma alternativa menos agressiva que o Regime de Recuperação Fiscal (RRF), sindicalistas preocupam-se com uma possível manobra para privatização da empresa pública, ao invés da federalização.
:: Entenda como funciona o Propag ::
A especulação é que a União não teria interesse na Copasa, uma vez que não tem natureza jurídica para operar a área de saneamento, e que restaria, como alternativa, na perspectiva do governador, a venda da empresa para pagar parte do débito com a União, que já chegou a R$ 165 bilhões no governo de Zema.
“Isso deixa uma pressão aos deputados, que teriam que decidir por vender ou não a empresa. Se este cenário acontecer, o Zema conseguiria condicionar a venda da Copasa dentro do próprio Propag, sem necessitar de diminuir o quórum dos deputados, por meio da PEC 24, pois teriam o número suficiente na Casa para discutir o Propag. Isso seria um golpe de mestre”, explica Eduardo Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado (Sindágua).
O sindicalista faz referência à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 24, encaminhada pelo governador à ALMG no ano ado e que propõe eliminar a exigência de referendo popular para a venda de empresas públicas e reduzir o quórum necessário para aprovação de privatizações, atualmente fixado em três quintos dos votos.
Por meio das redes sociais, a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL) afirmou que o campo progressista fará um debate sério em defesa da Copasa no Legislativo.
“[O Propag] prevê o abatimento da dívida com base em investimentos em saneamento básico. E, na nossa perspectiva, manter a Copasa como empresa pública para investir em todo o Estado pode ser muito vantajoso”, disse, em vídeo publicado nas redes sociais. “Vamos juntos fazer esse debate para que a gente possa defender o direito à água”, continuou.
Empresa lucra, mas tem gestão ineficiente
O Sindágua também manifestou que a atitude de Zema guarda uma contradição, em referência à lucratividade da empresa, comparada ao valor que o governador pretende oferecer a Copasa ao mercado.
“A Copasa divulgou um lucro líquido de R$ 428,5 milhões, apenas no primeiro trimestre deste ano, mais de 10% do valor que Romeu Zema quer privatizar a empresa. Os R$ 4 bilhões que Zema pretende arrecadar com a venda da Copasa representam menos de 10 trimestres de lucro líquido da empresa. Ou seja, com esse valor, o comprador da Copasa repõe em dois anos e meio em seus cofres o que gastou, com essa política de terra arrasada patrocinada pelo governador”, argumentou o sindicato, em nota.
Os riscos de uma possível privatização têm natureza diversa, como aponta o engenheiro civil Alex Aguiar, diretor Sindicato de Engenheiros no Estado de Minas Gerais (Senge-MG) e membro do Conselho Municipal de Saneamento (Comusa).
“De um modo conceitual, tem-se o antagonismo entre garantir o fornecimento às pessoas de um bem absolutamente essencial, sem o qual não há vida, bem estar ou dignidade nas atividades rotineiras, e o objetivo de qualquer prestador privado, que é maximizar seus lucros”, alerta.
Para Aguiar, a desigualdade financeira que existe entre a população de MG torna essa possibilidade ainda mais alarmante.
“Tem cerca de 6 milhões de pessoas, quase 30% da população do estado, em situação de vulnerabilidade financeira, com baixíssima capacidade de pagar pelo o à água potável e ao saneamento. Há municípios em Minas Gerais onde o percentual de pessoas em vulnerabilidade financeira supera 80%, e mais de 20% dos municípios mineiros têm mais de 50% de suas populações nessa condição. Isso é incompatível com a meta de qualquer empresa privada, a maximização de seus lucros”, pondera.
O engenheiro cita o exemplo de Tocantins, em que a privatização da concessionária de saneamento revelou que, dos 125 municípios que integravam a concessão privada original, 78 foram “devolvidos” ao estado, por não serem economicamente viáveis para o prestador.
Outros riscos, de acordo com ele, se associam a não se ter mais a presença no estado de uma empresa com as especialidades da Copasa.
“Nos eventos de ruptura das barragens de rejeitos de mineração ocorridos em 2015 e 2019, em Mariana e Brumadinho, respectivamente, a Copasa desempenhou papel fundamental, agindo tempestivamente na assistência às famílias atingidas e no monitoramento intensivo da água dos rios Doce e Paraopeba, dando base às diversas decisões tomadas pelo estado com relação ao seu uso e, também, às ações de atenção à população atingida” recorda.
Precarização ideológica
Embora lucrativa, frequentemente, cidadãos mineiros apontam ter dificuldades com o serviço oferecido pela empresa. Isso, segundo os especialistas, a por uma precarização da companhia.
“A Copasa é a melhor empresa de saneamento do país. Já atende as metas de universalização em água e deve pouquíssimo em esgoto e tem o prazo de até 2033 para chegar aos 90% de coleta e tratamento”, afirma Eduardo Pereira.
Os números da empresa, segundo ele, quebram os argumentos de que a entidade é ineficiente, mas as reclamações da população têm origem na má gestão de Zema.
“As reclamações da população confirmam que o governador não está nem aí para o saneamento e metas de universalização, pois os problemas vêm sendo agravados pela alta terceirização dos serviços e falta de concurso público para repor a mão de obra qualificada para executar os serviços”, argumenta.
Alex Aguiar acrescenta que, na gestão de Zema, a Copasa tem focado em reduzir suas despesas.
“No período do governo, a empresa reduziu o número de seus empregados em quase 20%, ando de quase 12 mil empregados em 2018 para menos de 10 mil em 2023. Isso significa menos pessoas para atender aos usuários e, portanto, maiores prazos para solução dos problemas. A implementação de terceirização em alguns setores se mostrou catastrófica, como no caso da leitura dos hidrômetros, criando uma onda de reclamações por erros nas contas das pessoas”, aponta.
Outro aspecto relacionado à minimização das despesas se refere à atuação da empresa em casos de paralisação ou de intermitência dos serviços, de acordo com ele.
“As normas regulatórias definem que, em paralisações superiores a 12 horas, a Copasa deve garantir o fornecimento alternativo aos usuários que prestam serviços à população, tais como creches, escolas de educação infantil e fundamental, hospitais e postos de saúde”, explica.
Apesar disso, lembra ele, são inúmeros os casos veiculados nos jornais que apontam a realidade de pessoas vítimas da interrupção do fornecimento de água por dias, sem que haja ação da Copasa em promover o fornecimento alternativo.
“Esses episódios mostram a desatenção do governo Zema e da própria gestão da companhia com a imagem da Copasa junto à população, o que, de certo, favorece a introdução do tema de sua privatização na sociedade”, conclui.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com o governo e aguarda respostas. O texto será atualizado se houver posicionamento.