O Panamá enfrenta um dos mais importantes ciclos de protestos sociais e políticos dos últimos anos. Desde 23 de abril, o país vive uma greve geral por tempo indeterminado que, iniciada por sindicatos de professores, se espalhou por todo o território nacional, envolvendo trabalhadores da construção civil, comunidades indígenas, estudantes e agricultores.
As manifestações exigem a revogação da reforma regressiva do sistema previdenciário — a Lei 462 — aprovada sem consenso social e considerada pelos setores mobilizados como prejudicial aos direitos trabalhistas e sociais.
A nova lei elimina o princípio da solidariedade intergeracional e impõe um modelo de contas individuais. Sindicatos e especialistas alertam que essa mudança abre caminho para um sistema privatizado, que condenaria as gerações futuras a receber “aposentadorias de fome”. Além disso, a legislação prevê um aumento progressivo da contribuição patronal, eleva o período mínimo de contribuição e deixa em aberto a possibilidade de alteração da idade para aposentadoria.
Ao mesmo tempo, a greve por tempo indeterminado, que mantém o país em estado de semi-paralisação, também rejeita um acordo recentemente assinado entre o governo panamenho e os Estados Unidos, que autoriza o envio de tropas estadunidenses e a ampliação da presença militar dos EUA em território panamenho.
O acordo foi anunciado em 10 de abril, após a visita do secretário de Defesa dos EUA, Pete Hagel, ao Panamá. Foi assinado pelo governo de José Raúl Mulino sem ar por debate parlamentar ou consulta pública, o que gerou fortes críticas. Sindicatos e movimentos sociais acusam o governo de abrir mão da soberania nacional e agir às escondidas da população.
Uma resposta repressiva
“O governo não vai discutir esse assunto”, reiterou Mulino, assegurando que “a lei da Previdência Social não é negociável: está em vigor e continuará em vigor. Não vejo nenhuma base para esse tipo de conversa.” Os protestos, que se espalharam por todo o país por meio de greves, bloqueios de ruas e ocupações de estabelecimentos, foram enfrentados pelo governo com o aumento da repressão.
Esta semana, durante sua habitual coletiva de imprensa das quintas-feiras, o presidente José Raúl Mulino descartou qualquer tentativa de diálogo com os manifestantes, alegando a existência de uma suposta conspiração para “desestabilizar” o país.
“Custe o que custar, este país não vai parar”, declarou, anunciando o reforço da presença policial nas ruas, além do início de processos judiciais contra aqueles que, segundo ele, “violam a lei”.
De acordo com números oficiais, mais de 480 bloqueios de estradas e quase 200 prisões foram registrados até a última terça-feira. Ao mesmo tempo, organizações de direitos humanos denunciam a “repressão brutal” por parte das forças de segurança.
No entanto, por meio de um comunicado, movimentos sociais e sindicais denunciam “mais de 300 pessoas presas, dezenas de feridos e desaparecidos ou sequestrados por policiais mascarados que ocultam seus nomes, patentes e as empresas a que pertencem”, afirmando que “estão sendo realizadas batidas nas casas dos líderes”.
As províncias do oeste — como Veraguas, Bocas del Toro e Chiriquí — tornaram-se os principais focos da repressão estatal. Nessas regiões, comunidades indígenas relataram violentas incursões policiais em residências e instalações, além da detenção arbitrária de diversos líderes.
Em declaração pública, o chefe da comarca Ngäbe Buglé, Cruz Guerra, classificou o governo de José Raúl Mulino como uma “ditadura” e exigiu o “fim imediato da perseguição, do uso excessivo da força e das violações de direitos humanos” contra os manifestantes.
Nesta semana, vários dirigentes do Sindicato Único Nacional de Trabalhadores da Indústria da Construção e Similares (SUNTRACS) foram presos. O sindicato já vinha denunciando, por semanas, intensa perseguição política — incluindo ordem do governo para o congelamento de suas contas bancárias.
A greve teve um forte impacto econômico. A empresa estadunidense Chiquita Panamá anunciou o fechamento definitivo de várias fazendas em Bocas del Toro, alegando prejuízos superiores a US$ 10 milhões (R$ 56 milhões).
A paralisação das atividades se estendeu a universidades, escolas e canteiros de obras. Enquanto isso, a presença militar foi registrada em terminais de transporte, comunidades e centros comerciais, gerando um clima que muitos comparam a um estado de emergência não declarado.