Enquanto tramita na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH) uma proposta para tornar gratuita a tarifa do transporte público do município, no Brasil, mais de 120 cidades já servem como exemplo de sucesso da medida. Chega a quase 7 milhões o número de pessoas que são impactadas pela gratuidade no país.
Em 2025, Teresina, no Piauí, tornou-se a primeira capital a adotar a tarifa zero universal, que funciona em sua rede de trens de superfície. Com essa decisão histórica, o município também é, atualmente, o mais populoso a fazer parte das políticas universais de e livre no Brasil, com mais de 900 mil habitantes.
“A gente tem visto com bastante atenção os resultados dos primeiros meses. Como em todas as cidades que adotam a tarifa zero, houve um aumento significativo no uso do transporte público. Uma perspectiva aberta de reverter uma tendência de queda bastante acentuada, que é comum em todas as capitais do Brasil e que não tem recebido a atenção devida”, avalia Daniel Santini, pesquisador de mobilidade urbana da Universidade de São Paulo (USP).
Segundo ele, na última década, compreendida entre 2013 e 2023, o país perdeu 30% dos ageiros nas 10 cidades mais populosas do Brasil.
“Se a gente seguir nesse ritmo, em mais duas décadas, acabou o transporte público. Mesmo para quem não usa transporte público, isso deveria ser motivo de preocupação. Quando a gente tem pessoas se deslocando mais em carros e motos, existe mais poluição, mais ocorrências de trânsito e cidades piores para se viver”, sinaliza.
Efeitos práticos da tarifa zero
O município de Maricá, no Rio de Janeiro, também tem sido um exemplo na condução do modelo de tarifa zero. Com quase 200 mil habitantes, a cidade transporta mais de 65% de sua população por meio do transporte público, incluindo moradores, visitantes e trabalhadores.
A Empresa Pública de Transportes de Maricá é a autarquia que faz a gestão do modelo, que se desenvolveu gradativamente desde a sua criação, em 2014, pelo prefeito Washington Quaquá (PT).
“Começamos com três linhas e 13 ônibus. Hoje, contamos com 48 linhas e mais de 155 ônibus. Nos contratos de locação, estipulamos que os ônibus deveriam ser novos e que, se o trajeto não fosse cumprido, o pagamento não seria feito. Além disso, todos os veículos possuem ar-condicionado”, reforça o presidente da empresa, Celso Haddad.
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“Não é porque é um serviço público que precisa ser ineficiente. Hoje, Maricá é uma das cidades brasileiras que mais transporta ageiros diariamente, mensalmente e anualmente. Possuímos a maior frota de ônibus gratuitos do país, além da frota mais nova”, conta.
Os dados, segundo ele, demonstram o impacto positivo da tarifa zero na cidade. O número de empresas, incluindo microempresas e grandes redes de supermercados, cresceu exponencialmente, explica Haddad.
“Muitas empresas economizam com transporte para seus funcionários e, com isso, conseguem contratar mais pessoas e investir em qualificação profissional. Além disso, a tarifa zero teve impacto na mobilidade urbana. A redução no número de veículos particulares circulando contribuiu para a queda nos índices de acidentes de trânsito”, acrescenta.
Na saúde, ele conta que houve um aumento significativo no comparecimento a consultas e tratamentos médicos, já que, antes, muitas pessoas não tinham dinheiro para custear o transporte de ida e volta, especialmente em tratamentos recorrentes.
“Na educação, os pais agora podem escolher melhor onde seus filhos vão estudar, sem o obstáculo dos custos com transporte. Além disso, o o à cultura e ao lazer também foi ampliado. A tarifa zero não se resume apenas à gratuidade do transporte; seu impacto se reflete em diversas áreas da cidade, promovendo maior inclusão e qualidade de vida para a população”, observa.
Minas Gerais é expoente
Atualmente, com 31 municípios incluídos, Minas Gerais é o segundo estado do Brasil com a maior quantidade de cidades com a tarifa zero universal, precedido apenas por São Paulo. As regiões Sudeste e Sul do país, portanto, ficam à frente das demais no que se refere à adesão da política de gratuidade, de acordo com um mapeamento coletivo organizado pelo pesquisador Daniel Santini.
Para ele, essa concentração nas duas regiões se deve a uma multiplicidade de fatores, mas o efeito contágio é um ponto de atenção.
“A gente tem visto muitas cidades se inspirarem em experiências de cidades vizinhas. Tem o caso das cidades históricas em Minas Gerais: Mariana influenciando Ouro Branco e, a partir daí, influenciando outras cidades vizinhas”, chama a atenção.
A multiplicação de experiências também tem a ver com intercâmbios promovidos entre vereadores de diferentes partidos, que dialogam sobre as possibilidades, desafios e resultados.
No território mineiro, mais de 1 milhão de habitantes são impactados positivamente pela medida. Dos 31 municípios de MG com tarifa zero, oito estão na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH): Itatiaiuçu, Ibirité, Caeté, Mário Campos, São Joaquim de Bicas, Brumadinho, Sarzedo e São José da Lapa.
O crescimento do número de cidades com tarifa zero ao longo da história:
- De 1992 a 1998 – 4 Cidades
- De 2001 a 2010 – 9
- De 2011 a 2020 – 28
- 2021 – 16
- 2022 – 16
- 2023 – 37
- 2024 – 9
- 2025 – 6
Redução de desigualdades
Para Daniel Santini, uma constante em todas cidades que apontam para a criação da política é o apoio popular muito forte. Isso é natural, segundo ele, porque a tarifa zero muda a vida das pessoas, especialmente aquelas em situação de vulnerabilidade social.
Embora historicamente os estudos sobre a tarifa zero tenham tido foco em políticas de mobilidade, o pesquisador aponta que as pesquisas recentes destacam resultados práticos para além do transporte.
“Talvez o principal efeito que merece destaque seja a redução da desigualdade social. Não custa lembrar que uma parte considerável do orçamento das famílias é utilizado para transporte e não para comprar alimentos”, comenta.
Mesmo em lugares em que a tarifa zero ocorre apenas em um dia da semana, como em São Paulo e, recentemente, em Brasília, aos domingos e feriados, o efeito é surpreendente, como reforça Annie Oviedo, integrante do Movimento Tarifa Zero.
“A melhor coisa da tarifa zero aos domingos é que ela democratiza o o, especialmente a eventos de lazer e de cultura que já são gratuitos”, pontua.
“Aos domingos é mais sobre isso do que sobre o o a outros direitos ou ao estudo, à saúde e ao próprio trabalho, o que, dentro de uma perspectiva do que que é a tarifa zero, acho maravilhoso, porque o transporte não pode ser apenas um meio para levar as pessoas para o trabalho e para a escola”, lembra.
Para Oviedo, a política de gratuidade vem de uma ideia de abundância, ou seja, ter ônibus para ir a qualquer lugar, desde um parque mais longínquo a um evento no centro.
“É ter uma liberdade de escolha e uma capacidade de conexão com espaço urbano que é inigualável. A tarifa zero aos domingos não é só sobre ir e vir. Ela é sobre estar. E o estar é político. Quem está em determinados lugares da cidade é um fato determinado politicamente”, conclui.