Mais um ano se ou e atingidos pelo crime da Vale, em Brumadinho, ainda clamam por reparação justa diante dos inúmeros danos causados pelo rompimento da barragem da mina em Córrego do Feijão. O crime, que matou 272 pessoas e despejou 13 milhões de metros cúbicos de lama em toda a bacia do Rio Paraopeba e na represa de Três Marias, completa, neste 25 de janeiro de 2024, cinco anos.
“Não mudou nada. Apenas continuamos fazendo nossa luta, um dia sim e o outro também, sobre a lama de sangue da Vale, atrás da tão sonhada justiça”, relata Jacira Costa, integrante da Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos Pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum).
Para ela e para a associação, uma das formas de reparação é a responsabilização dos culpados, que ainda seguem impunes. Jacira perdeu o filho, de 33 anos, devido ao rompimento: Thiago Mateus Costa trabalhou na Vale durante 13 anos.
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Tatiane Menezes, atingida do Assentamento Queima Fogo, em Pompéu, afirma que outro grande desafio em relação à reparação é o o ao Programa de Transferência de Renda (PTR), um auxílio econômico dado às pessoas atingidas pelo rompimento.
Segundo ela, as comunidades que precisam ter o ao PTR, muitas vezes, convivem com desafios relacionados à falta de energia, água, internet e telefonia, o que dificulta o processo de comprovar residência e aderir ao programa.
A saúde física e mental são outras duas preocupações da atingida. “Não temos um acompanhamento adequado mesmo após cinco anos do crime. A falta de visibilidade nas regiões 4 e 5 também dificulta a luta por reparação, pois temos dificuldades de estarmos presentes em Brumadinho ou em Belo Horizonte, onde se concentram as instituições de Justiça”, pondera.
A região 4 é formada pelos municípios de Curvelo e Pompéu, e a região 5 é formada por Abaeté, Biquinhas, Felixlândia, Martinho Campos, Morada Nova de Minas, Paineiras, São Gonçalo do Abaeté e Três Marias.
Crime continuado
Integrante da coordenação estadual do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), Guilherme Camponez reafirma que não houve avanço nas tratativas com a Vale. No entanto, em reportagens pagas, divulgadas pela mineradora, a Vale diz que a execução do Acordo Judicial de Reparação Integral (AJRI) atingiu 64%. Segundo o integrante do MAB, essa informação não condiz com a realidade dos territórios atingidos.
“Não há quase nada feito. Podemos citar a lama, que continua no Rio, e comprovadamente há contaminação com metais pesados, que são tóxicos. Do ponto de vista da saúde, do meio ambiente e da economia que está vinculada ao rio, continua a mesma situação. É a mesma tragédia continuada”, pontua.
O caso de Kelson Rodrigues, por exemplo, é um entre vários que enfrentam os mesmos desafios desde o rompimento. Morador do bairro Paquetá, em Betim, ele conta que o lazer dos fins de semana, às margens do Rio Paraopeba, foi suprimido pela onda de lama que invadiu as águas. No entanto, até hoje, o problema está longe de encontrar uma solução.
Segundo ele, a contaminação do rio o obrigou a fazer tratamento de pele, a aumentar o consumo de remédios e ainda o impediu de fazer algo que era costumeiro: a pescaria. “Depois do rompimento, mesmo que a pessoa tenha conseguido um trabalho, ela não consegue se manter. O valor que eles diziam que era para ajudar a sobrevivência, com alimentação, não está sendo o suficiente até mesmo para manter o medicamento mensalmente”, lamenta.
Guilherme explica que, sem a reparação, a vida de modo geral piora. “Se a pessoa teve um dano à saúde que não foi reparado ainda, a situação econômica dela também é afetada, porque isso atrapalha o trabalho. Então vai virando uma bola de neve. Os danos vão aumentando e esses danos são supervenientes”, avalia.
Um estudo feito pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) analisou 319 processos entre 2019 e 2023, que pautaram o crime da Vale. Cerca de 75% das decisões foram desfavoráveis aos atingidos.
Liquidação coletiva
Em dezembro de 2023, o juiz Murilo Silvio de Abreu, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), acatou a tese de uma ação coletiva que trata da liquidação coletiva dos danos individuais. Nessa ação, avaliada como importante pelos atingidos, ao invés de a Justiça julgar cada caso para decidir sobre as indenizações, será realizada uma matriz de danos. Isso, na avaliação de Guilherme, pode desburocratizar o processo.
No entanto, ele acredita que a Vale ainda pode recorrer à decisão. “A empresa quer reconhecer o mínimo possível de atingidos. Para ela, é melhor não ter liquidação coletiva, porque são menos recursos que ela gastará”, alerta.
Para 2024, os atingidos também aguardam a efetivação do trabalho da Cáritas Brasileira e suas parceiras, entidade aprovada em edital feito pelas instituições de Justiça (IJs) para contribuir com projetos comunitários, de crédito e microcrédito. A iniciativa faz parte do Anexo 1.1, do Programa de Reparação Socioeconômica, um acordo estabelecido entre a Vale, o governo de Minas Gerais e as IJs em 2021.
A retomada do edital, que demorou cerca de dois anos para ser continuado pelas IJs, foi conquista da pressão popular feita pelos próprios atingidos e por movimentos populares. Para o Anexo 1.1 foram destinados R$ 3 bilhões.
Outro lado
Procurada para comentar o caso, a Vale afirmou que o “Programa de Transferência de Renda é gerido pelas instituições de Justiça e operacionalizado pela Fundação Getúlio Vargas”.