Milton Ribeiro, o pastor escolhido por Jair Bolsonaro para chefiar a Educação, deu um tiro no aeroporto de Brasília, nesta segunda (25). Alega ter sido acidental. O caso levanta uma pergunta, mas antes, algumas constatações.
Seria cômodo afirmar que o mesmo país que deixa uma pessoa sem perícia portar uma arma é o que permite um incompetente comandar a educação. Mas ele é segundo tenente da reserva da Infantaria do Exército e, por isso, deve ter tido algum treinamento. E foi sim eficaz no ministério. Não para a maioria da população, mas para o bolsonarismo, pois cumpriu à risca a tarefa que lhe foi entregue: conduzir um projeto de desconstrução nessa área e garantir o aos recursos dela aos aliados do presidente.
Quando ainda estava no cargo, Ribeiro defendeu que é "impossível a convivência" com crianças com deficiência em escolas porque elas "atrapalham" o aprendizado das demais. E que a homossexualidade é fruto de "famílias desajustadas". Também ajudou a transformar o Enem em um campo de batalha da guerra cultural, tumultuando a vida de estudantes do ensino médio com interferência no conteúdo abordado nas provas.
Mesmo com os problemas istrativos e gerenciais, o sucateamento e a falta de apoio para a formação dos profissionais, os salários baixos e atrasados, os planos de carreira risíveis, a ausência de infraestrutura, de material didático, de merenda decente, de internet, de segurança para se trabalhar, o atraso educacional das crianças pobres causado pela pandemia e que será perpetuado pela falta de planos de recuperação decentes por parte do poder público, o ministro tinha tempo de alegrar o bolsonarismo alertando para o "marxismo" no ensino brasileiro.
E, sob Ribeiro, o ministério também se tornou um caixa eletrônico de aliados do presidente.
Uma gravação, veiculada pela Folha de S.Paulo, mostrou o ministro dizendo que priorizaria a liberação de verbas públicas para "amigos" dos pastores Gilmar Santos e Arilton Moura a pedido de Bolsonaro. Após isso, prefeitos vieram a público denunciar a cobrança de pedágio em barras de ouro ou através de compras de bíblias para garantir o ao bilionário Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.
Desde que Ciro Nogueira (PP) assumiu como ministro, a Casa Civil se tornou o único destino no Palácio do Planalto das visitas dos pastores, que frequentavam a sede do Poder Executivo desde 2019. Um ex-assessor de Nogueira, Marcelo Ponte, é o presidente do fundo.
Também vieram denúncias de que recursos da educação estavam envolvidos em escândalos de sobrepreço sob Ribeiro.
Prefeituras de municípios com escolas sem água e internet de Alagoas compraram kits de robótica de uma empresa que lucrou 420% com cada unidade. Adquiriu por R$ 2,7 mil, vendeu por R$ 14 mil. Os donos da empresa são próximos de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, e os prefeitos beneficiados com R$ 26 milhões em compras estão sob a sua esfera de influência.
O Tribunal de Contas da União (TCU) viu indícios de sobrepreço na licitação de quatro mil ônibus rurais escolares pelo Ministério da Educação, o que poderia fazer com que os veículos custassem até R$ 732 milhões a mais. Suspendeu o certame após denúncia trazida pelo jornal O Estado de S.Paulo mostrar que pessoas ligadas a Ciro Nogueira (PP) e Valdemar da Costa Neto (PL) deram aval para a licitação bichada. O temor da procuradoria era o sobrepreço virar caixa 2 nas eleições.
É mais fácil transformar o MEC em caixa eletrônico visando ao fortalecimento de bases para a reeleição ou em tablado para a guerra cultural do que enfrentar problemas reais, como a falta de internet, de lousa, de esgoto, de água potável, de papel higiênico nas escolas. Contradição que, certamente, seria abordada em uma I do MEC, defendida pela oposição no Senado Federal.
O disparo pode ter sido um acidente. Milton Ribeiro, não, pois suas ações não foram incidentais, mas deliberadas.
Diante de tudo isso, a pergunta: por que o ex-ministro andava armado?
Seus representantes afirmaram, em nota, que o disparo "ocorreu enquanto ele deixava seu apartamento funcional, em Brasília, durante processo de mudança para São Paulo". Ou seja, alega que a arma estava sendo transportada de lugar.
Mas diante de tudo o que aconteceu com ele nos últimos tempos, envolvendo tantos interesses, a pergunta precisa ser feita de outra forma: por que o ex-ministro, que sabe demais, anda armado?