Em 2018, um escândalo ficou famoso por resultar, entre tantas tragédias, na eleição de Donald Trump nos EUA. Era o caso “Cambridge Analytica”.
A partir daí, teorias da conspiração e indignações como “o Facebook não espalhou esse conteúdo porque ele é de esquerda” ou “veja antes que o Instagram derrube” se tornaram cada vez mais comuns.
O problema de fundo é a falta de transparência no modo como funcionam as redes e na forma como os nossos dados são entregues ou vendidos e a quem. Quando o Facebook define quais informações podem ser coletadas e a que preço, também define qual o nível de transparência e fiscalização que a sociedade civil tem o.
O que são APIs e como coletam nossos dados
As APIs são como sistemas que possibilitam que duas plataformas conversem. Há muitos exemplos, desde um aplicativo no celular que a sua câmera até sistemas que permitem agendar postagens, obter relatórios de uso nas redes sociais ou mesmo abastecer grandes bancos de dados como foi o caso da Cambridge Analytica.
A primeira versão da API do Facebook surgiu em 2006. E à medida que as redes sociais ganharam notoriedade, os dados inseridos tornaram-se ainda mais valiosos. Foi neste contexto que, em 2010, o Facebook apresentou uma primeira versão da “Graph API”, uma revolução em termos de fornecimento de dados em larga escala.
Era a primeira vez que um sistema permitia converter perfis, curtidas, localizações e outros dados em objetos a serem trabalhados e se transformassem em produtos.
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A partir daí os problemas começaram. Uma vez que você autorizasse um aplicativo a coletar seus dados, ele poderia seguir com a prática sem qualquer obstáculo por anos sem que você soubesse.
Em 2013, o então professor da Universidade de Cambridge, Aleksandr Kogan, aproveitou-se disso para criar no Facebook um quizz de personalidade e coletar dados de milhões de pessoas. Esta coleta resultou no escândalo de 2018, quando um parlamentar britânico foi eleito – e posteriormente Trump, com a mesma prática.
Mais , menos transparente
Em 2014, depois de permitir uma coleta quase ilimitada de dados por anos, o Facebook finalmente anunciou o fim da versão 1.0 da Graph API. A versão 2.0 proibiu a coleta de postagens públicas feitas a partir de perfis pessoais.
Isso ainda poderia ser feito, mas dentro do próprio Facebook. Funcionaria assim: você pediria as informações que deseja e ele entregaria tudo de forma agregada. Resumidamente é como se você pudesse ler o conteúdo mas não o perfil que o publicou, tendo que confiar na plataforma de Zuckerberg, sem o aos dados brutos.
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O sistema seguiu mudando, mas o controle das informações continua exclusivo até hoje. Neste contexto, quem garante que foram coletados todos os dados? Que não houve qualquer filtro ideológico anterior?
Um recado do Facebook: o caso Mlabs
Em junho deste ano, o mercado brasileiro de gestão de redes sociais ou por um susto. O Facebook sem aviso prévio excluiu cerca de 39 milhões de postagens de empresas, empreendedores e figuras públicas do Brasil, geridos pela plataforma Mlabs, maior empresa de gerenciamento de mídias sociais do país.
A Mlabs possui cerca de 300 mil clientes. Seu sistema permite agendar postagens nas mais diversas redes, como Facebook, Instagram e LinkedIn. Mas o Facebook considerou que a API da empresa infringia seus termos de uso.
Depois de alguns dias, a rede social reestabeleceu as postagens. Mas o caso demonstra como o Facebook ainda tem total controle do que é publicado sem qualquer tipo de fiscalização.
Em outras palavras, fica claro que Zuckerberg pode, sim, escolher alvos e apagar todas as postagens – seja de uma empresa ou, por que não, de um partido político ou figura pública, quando quiser.
Victor Amatucci é jornalista da agência Social Comunicação, que realiza projetos de comunicação para ONGs, movimentos sociais e entidades de Direitos Humanos.