As chuvas que caíram no Pantanal nas últimas semanas não foram suficientes para aliviar a tensão de moradores atingidos pelas queimadas que chocaram o país. O período mais crítico do fogo já teria sido superado, mas alguns pontos da região ainda tentam istrar os incêndios, que atingiram 4,1 milhões de hectares do bioma entre janeiro e outubro. Os dados são do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa), vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pelo menos 28% do Pantanal foram devastados pelo fogo, de acordo com cálculos do Instituto SOS Pantanal.
Como consequência dessa matemática, nesta primeira quinzena de novembro, diversas comunidades ainda contabilizam e lamentam o prejuízo provocado pelas chamas. Os números se materializam em contextos como o dos indígenas guatós, que vivem na região dos municípios de Poconé (MT) e Barão de Melgaço (MT). As duas cidades estão entre as mais de 90 afetadas pelo fogo nos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul.
Começou a cair alguma chuva, a encher o rio, mas a água está muito suja, não é potável
No território da comunidade, os moradores cultivavam vegetais como banana, mandioca, abacaxi, batata, cana-de-açúcar, entre outros destinados não só ao sustento das 80 famílias locais, mas também ao comércio, o responsável pela geração de renda dos nativos. Agora, a lavoura virou terra arrasada, tanto no solo quanto no coração de quem dela vivia.
“Isso foi tudo devastado com o fogo. A [questão da] água também. Começou a cair alguma chuva, começou a encher o próprio rio, mas a água está muito suja, não é uma água potável. Isso já tem causado alguns problemas de dor no estômago, diarreia nas pessoas”, descreve a presidenta da Organização de Mulheres Indígenas de Mato Grosso, Alessandra Guató.
Ela afirma que os moradores estão vivendo de doações de alimento e ainda aguardam outras consequências do alastramento das chamas, que fizeram pelo menos 86 municípios decretarem estado de emergência. “Na hora em que encher todo o campo [de água], os peixes vão morrer, porque tudo queimou por aqui. Os impactos não são só os de agora. Infelizmente, vamos vivenciar isso por muito tempo ainda”, projeta a dirigente, que há 38 anos vive no local e diz jamais ter visto os focos de calor e fogo atingirem esse nível.
Com a questão da seca, das queimadas, houve uma devastação da matéria-prima, e isso impacta diretamente a vida das famílias
Dono de uma pequena propriedade rural em Poconé (MT), o produtor Salvador Soltério de Almeida ajuda a descrever o caos em que se encontram muitos dos seus conhecidos na região. Ele conta que lhe chamou a atenção o estado de uma comunidade local que tem uma pequena produção de farinha de mandioca.
“Hoje a produção deles caiu completamente. Com a questão da seca, das queimadas ao redor, houve uma devastação da matéria-prima, e isso impacta diretamente a vida das famílias. Com isso, diminuiu a renda econômica, num momento em que o país a por uma série de problemas, com inflação alta, com combustível subindo. Houve um empobrecimento do povo da região”, observa Almeida.
Almeida defende uma forte atuação estatal na região para ajudar a socorrer as comunidades e tirar a economia local do vermelho. “É importante ter linha de crédito também. O sistema crediário ainda é muito burocrático. Neste momento, com a problemática do fogo, o crime ecológico e a devastação, teria que ter incentivo nesse sentido”, advoga o produtor rural, que diz ter sido indiretamente impactado pelas chamas.
Socorro emergencial
Agora, com a piora da crise socioeconômica na região, a população conta com a possibilidade de receber um auxílio emergencial do governo federal. A ideia ganhou corpo na Câmara dos Deputados por meio do Projeto de Lei (PL) 5009/2020, assinado pelos mais de 20 parlamentares da comissão externa que cuida do enfrentamento às queimadas.
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Cunhada a partir de audiências públicas que colheram relatos de moradores prejudicados pelo fogo, a proposta prevê a concessão de um socorro de R$ 1 mil a esses trabalhadores. De acordo com o texto, a verba para sustentar o benefício teria a mesma fonte de recursos do auxílio emergencial nacional, o primeiro a ser aprovado, em março deste ano. O recurso faz parte do chamado “orçamento de guerra” autorizado pelo Legislativo para o período da pandemia. “Trata-se de uma despesa que respeita os parâmetros de responsabilidade fiscal”, ressalta o PL.
A ideia é que o benefício seja liberado durante o período de um ano para indígenas, ribeirinhos, integrantes de comunidades remanescentes de quilombos, pescadores artesanais e trabalhadores de outras comunidades tradicionais pantaneiras. Assentados da reforma agrária e demais agricultores familiares também seriam contemplados, em caso de aprovação da proposta.
Em todo o Pantanal, mais de 10 mil minifúndios foram queimados. Na média, 80% [da área] das propriedades queimaram
Estatísticas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) mostram que 92% das pequenas propriedades do bioma foram atingidas. O percentual significa que são mais de 4.800 pequenas áreas majoritariamente afetadas pelos incêndios.
“Em todo o Pantanal, mais de 10 mil minifúndios foram queimados. Na média, 80% [da área] das propriedades queimaram. Animais morreram, se intoxicaram com a fumaça, plantações de castanha queimaram. As pessoas ficaram sem nada, então, tem a dor emocional e tem a perda material que essas pessoas agora têm que reconstruir. Pra isso, eles precisam desse auxílio pelo menos pro próximo ano”, argumenta a deputada federal Rosa Neide (PT-MT), que mora em Cuiabá (MT), a 60 km do ponto onde iniciaram os incêndios.
Signatária do PL e presidenta da comissão externa, ela antecipa que o colegiado conseguiu agendar uma reunião com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para o próximo dia 19. O objetivo é negociar a colocação do projeto em votação no plenário. “Esperamos que isso seja encaminhado com maior agilidade”, finaliza.