Segundo Ludmila Costhek Abílio, “não é difícil imaginar que hospitais, universidades, empresas dos mais diversos ramos adotem a uberização, utilizando-se do trabalho de seus ‘colaboradores just-in-time’ de acordo com a sua necessidade”.
Para Daniel Lindenberg, empreendedor da Docway esta necessidade na saúde já é uma realidade: “Ninguém precisa lembrar de tantas informações”. “É preciso saber onde está e quando precisar”. “Receber os serviços móveis também na saúde, eu não diria que é um efeito da crise da saúde, mas que é um efeito do comportamento dos indivíduos”.
A empresa-aplicativo que leva o médico até a casa do cliente esperava que as chamadas acontecessem mais no centro expandido de São Paulo. Ao contrário, a experiência de atendimento médico a domicílio acontece em grande quantidade nas periferias da cidade.
A ideia é que a intensa experimentação no uso de novas ferramentas de celulares e afins está criando um novo sistema econômico, o da economia da partilha na comunidade dos bens comuns. Basta navegar rapidamente na loja de aplicativos do smartphone ou tablet para perceber que existem milhares deles voltados para a saúde: orientações sobre nutrição, alertas para ingestão de remédios e até ferramentas que reúnem informações sobre o histórico médico do paciente. Uma pesquisa feita pelo Institute for Healthcare Informatics mostrou que em seis meses, entre 2013 e 2014, o uso dessas ferrramentas aumentou 62% e a tendência é crescer mais.
Desta forma, constitui-se uma empresa-aplicativo de investimentos de impacto social na saúde, cujo tema da ibilidade tem pouca materialidade, mas altíssima visibilidade. A uberização, como um futuro possível para empresas em geral, procura corrigir sintomas, através de tecnologias separadas de um entendimento do contexto social e político, aproveitando os vácuos normativos do SUS. A responsabilidade a a ser do usuário-consumidor que têm a função de criar novos padrões de relacionamento com as empresas, incluídos aí custos e ganhos.
A nova economia de serviços de compartilhamento entra na disputa pelo o à atenção primária para a base da pirâmide socioeconômica em mercados emergentes com o monetarizado, rápido e com avaliação instantânea do atendimento médico concorrendo com as terceirizadas da saúde. Porque, guiada pela ideia de economia compartilhada, os serviços criam a necessidade de manter as redes de assistência à saúde desintegradas, complementares e funcionalmente produtivas para o SUS.
Todos os investimentos destas empresas são cuidadosamente selecionados com base em um catálogo fixo de critérios com um consumidor delimitado e de demanda fechada o que garante que seus investimentos a longo prazo sigam uma abordagem de linha dupla, que procura obter retornos financeiros sem comprometer sua missão social.
Embora haja uma tendência no discurso de priorizar a missão social, mais importante são os bens efetivamente ados e consumidos. Muito provavelmente, por sua maior concretude, afinal, com a radicalização do fracionamento dos indivíduos, é mais agradável para os usuários discorrer sobre a consulta marcada pelo celular do que sobre a última experiência de marcar presencialmente uma consulta no posto de saúde.
Além disso, há uma pressão individualista de novo tipo, por um o mais pessoal do que coletivo. Contudo, no momento, o aumento de expectativas nessa direção não tem dado lugar a um desdobramento político, nem à aparição massiva de condutas antissistêmicas.
Se por um lado as expectativas individuais e as exigências por o à saúde dependem da organização institucional da saúde, pelo outro, e frente ao que muitos indivíduos percebem como obstáculos insuperáveis, se reforçam sentimentos e busca por respostas, bem como atalhos individuais a partir dos repertórios já existentes.
As pessoas acabam dizendo, se somos indivíduos individualizados é porque existe uma profunda acentuação dos novos perfis individuais a partir das instituições. E temos como indivíduos que aprender a responder as prescrições das instituições.
As necessidades em saúde mudaram e os arranjos institucionais precisam mudar também. Segundo o pesquisador canadense Gerry Bloom, do Institute of Development Studies [Universidade de Sussex]: “Muito daquilo que foi acordado na Alma-Ata em 1978, não foi atingido até hoje, portanto é preciso analisar os novos cenários e agir de acordo com essas novas necessidades”.
Novos tipos de parcerias surgem para o gerenciamento do sistema de saúde, com focos nas demandas dos diferentes grupos, porém sem priorizar os mecanismos de participação e controle social. Isso é essencial para um novo tipo de regulação que considere novas dinâmicas de o aos serviços de saúde. O que a experiência do Sistema Único de Saúde brasileiro pode ensinar?
*Ricardo Lima Jurca, sociólogo e doutor em Ciências, é autor da pesquisa “Individualização social, assistência médica privada e consumo na periferia de São Paulo”, defendida no final de abril pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)